Economia
Com um mês de tarifaço, exportações crescem para China e México e vendas para os EUA caem 18,5%

O tarifaço imposto pelos Estados Unidos a exportações brasileiras completou um mês neste sábado (6). Tentativas de negociação, defesa da soberania nacional e medidas de apoio a empresas brasileiras deram o tom do cenário econômico e diplomático nesse período de 30 dias.
Dados da balança comercial atualizados pelo Mdic (Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) mostram que as vendas aos EUA caíram 18,5% em agosto de 2025, mediante comparação anual. Já os dados da balança comercial mostram que alguns produtos brasileiros tiveram sucesso ao serem redirecionados a outros países. Foi possível avaliar um crescimento de 31% nas exportações para China, que já tem um peso relevante na balança comercial brasileira e de 43,8% para o México.
Mato Grosso do Sul
Mato Grosso do Sul alcançou US$ 7,24 bilhões em exportações entre janeiro e agosto de 2025, crescimento de 3,26% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a Carta de Conjuntura do Comércio Exterior (agosto/2025) elaborada pela Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação). O saldo da balança comercial chegou a US$ 5,53 bilhões, 8,4% superior ao registrado em 2024, confirmando a solidez do comércio exterior estadual.
Entre os produtos exportados, a celulose lidera a pauta com 29,9% de participação, seguida da soja em grão (27,2%) e da carne bovina fresca (15,07%). A proteína bovina merece destaque: no acumulado de 2025, o setor registrou alta de 43,7% em relação a 2024, evidenciando a capacidade do segmento frigorífico em ampliar mercados e diversificar destinos, mesmo diante do cenário de tarifas dos Estados Unidos.
Abertura de mercados
A China já sinalizou abertura ao mercado a café, gergelim e farinha de aves e suínos advindos dos trópicos. Minério de ferro, idem.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) considera que o primeiro mês após a entrada em vigor do tarifaço foi marcado por muitos desafios, apesar de demonstrar resiliência da cadeia exportadora de carne bovina brasileira. Desde a vigência da nova tarifa, o país conseguiu abrir três novos mercados: carne com osso e miúdos para Indonésia e Filipinas e carne bovina para São Vicente e Granadinas. O setor também tem conseguido redirecionar parte da produção a mais de 150 países, com o objetivo de preservar a competitividade do produto a nível global.
O excedente de produção, não exportado, tem sido negociado no mercado interno. Um levantamento feito pela Scanntech, com base em 13,5 bilhões de tíquetes de compra, registrou o movimento:
– Entre julho e agosto, o frango registrou retração de preços, com queda de 5,7% (R$ 17,33/kg), o café teve queda de 4,6% (R$ 76,40/kg); a carne suína, 1,3% (R$ 23,05/kg); e a bovina, 0,8% (R$ 34,58/kg).O único setor que contrariou esta tendência foi dos pescados: no período, a alta foi de 2% (R$ 34,43/kg), segundo o levantamento da Scanntech.
O único setor que registrou aumento foi dos pescados: no período, a alta foi de 2% (R$ 34,43/kg), segundo o levantamento da Scanntech.
No curto prazo, segundo os especialistas, os preços devem continuar em tendência de queda. A depender do rearranjo da ordem mundial, outros parceiros comerciais podem ajudar a escoar esta produção e estabilizar a balança comercial brasileira
Os Estados Unidos sempre tiveram superávit na relação comercial – o Brasil acumula com os Estados Unidos déficit comercial de quase US$ 410 bilhões nos últimos 15 anos. Isto é: importou mais do que exportou nesse período.
Tarifaço Trump
O governo de Trump assinou uma ordem executiva que estipulou o tarifaço a partir de 6 de agosto, mas deixou cerca de 700 produtos em uma lista de exceções. Entre eles estão suco e polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis, incluindo motores, peças e componentes. Também ficaram de fora produtos como polpa de madeira, celulose, metais preciosos, energia e produtos energéticos.
Entre os principais beneficiados pelas exceções está a Embraer, uma das maiores fabricantes de avião do mundo, com grande parte da produção destinada aos Estados Unidos.
Como ficaram as tarifas
Os cerca de 700 produtos da lista de exceção representam 44,6% das exportações brasileiras para os Estados Unidos e continuaram a pagar uma tarifa de até 10%, que já tinha sido definida em abril pelos EUA.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o tarifaço “cheio” incide em 35,9% das exportações brasileiras para os Estados Unidos. O tarifaço cheio é a cobrança de 10% definida em abril somada a outra de 40%, assim totalizando 50%.
Há ainda 19,5% das vendas sujeitas a tarifas específicas, adotadas pelo governo Trump com base em argumentos de segurança nacional. Entre esses produtos, estão as autopeças e automóveis de todos os países, que pagam 25% para entrar nos Estados Unidos desde maio.
Aço, alumínio e cobre pagam alíquota de 50%, mas, segundo levantamento do Mdic, estão dentro dos 19,5%, porque as tarifas foram definidas com base nos argumentos de segurança nacional em fevereiro, com entrada em vigor em março.
De acordo com o ministério, 64,1% das exportações brasileiras continuam concorrendo em condições semelhantes com produtos de outros países. Esse percentual é a soma dos 44,6% de vendas excluídas do tarifaço e dos 19,5% de exportações com tarifas específicas.
Cálculos Ministério revelam que o tarifaço de Trump afeta 3,3% das exportações brasileiras.
Mesmo depois de concretizado o tarifaço, governo e empresários brasileiros seguiram em tentativas de negociações com os americanos.
Negociação e Diálogo
Apesar de não ter havido avanços significativos em termos de isenção de produtos, o professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, José Niemeyer, defende que o processo de negociação tem que continuar.
Ele destacou a atuação do governo brasileiro, por meio de ministérios, diplomatas e da embaixadora em Washington, Maria Luiza Viotti, na obtenção da lista de isenções. “Conseguiram chegar a bom termo e alguns dos produtos tiveram as suas tarifas diminuídas”, avalia. Ele classificou o tipo de negociação exercida pelo Brasil como institucional.
OMC e reciprocidade
O Brasil busca também uma arbitragem internacional contra o tarifaço. O governo acionou a Organização Mundial do Comércio (OMC) em 6 de agosto. Na avaliação do Ministério das Relações Exteriores, os EUA “violaram flagrantemente” compromissos assumidos com a própria OMC.
A OMC é uma instituição multilateral que tem como função regular o comércio internacional, negociar regras, gerir acordos comerciais e resolver disputas. Brasil e Estados Unidos são dois dos 166 países-membros da OMC, que abarca 98% do comércio mundial.
No cenário interno, o país iniciou ação para aplicar a Lei da Reciprocidade Econômica, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em abril pelo presidente.
A nova legislação permite o Brasil aplicar contramedidas tarifárias. A Câmara de Comércio Exterior (Camex) – órgão colegiado de 10 ministérios, responsável por formular, implementar e coordenar as políticas de comércio exterior – foi provocada, dando início a um processo que tem, entre suas etapas, a de notificar os Estados Unidos sobre a resposta brasileira ao tarifaço.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), principal representante institucional do setor, tem defendido cautela em medidas de reciprocidade e insiste em negociação. Esta semana, uma comitiva de industriais esteve na capital americana, Washington, em busca de acordo.
Efeitos econômicos
A taxação de vendas brasileiras pelos EUA tem feito os produtos brasileiros custarem mais aos compradores americanos. Como consequência, o Brasil perde competitividade. Dentro das fronteiras brasileiras, isso se reflete em preocupação de diversos setores, principalmente os que dependem mais de exportações para os EUA.
O estado do Ceará chegou a decretar situação de emergência. O estado é o com maior predominância dos Estados Unidos como destino de exportações, acima dos 44%, vendendo produtos de siderurgia, frutas, pescados, pás eólicas e outros itens.
Mais de 90% da pauta exportadora do Ceará para os Estados Unidos foi afetada pelo acréscimo de 50% em taxas.
Já em Franca, no interior de São Paulo, a preocupação é com a indústria de calçados, que emprega entre 12 mil e 14 mil pessoas diretamente. Algumas empresas chegam a vender 100% da produção para os EUA.
As exportações de Santa Catarina para os Estados Unidos caíram 19,5% em agosto, em comparação com o mesmo mês em 2024. Mesmo com a queda, o país segue como principal destino dos produtos catarinenses, com embarques de US$ 119,2 milhões no período. Entre os produtos catarinenses, o setor de madeira e móveis foi o mais afetado.
Ajuda a empresas
Para ajudar o setor produtivo brasileiro a enfrentar os efeitos do tarifaço, o governo federal lançou, no dia 13 de agosto, um Programa de apoio às empresas atingidas pelo tarifaço.
Entre os principais pontos do pacote de ajuda estão linhas de crédito que somam R$ 30 bilhões. Os recursos vão financiar – a taxas de juros mais acessíveis – negócios exportadores. Empresas mais afetadas terão mais facilidade de acesso aos recursos. Uma medida provisória (MP) publicada na terça-feira (2) garante o crédito extraordinário.
Além dos empréstimos, o Programa prevê a prorrogação da suspensão de tributos para empresas exportadoras; aumento do percentual de restituição de tributos federais; e facilita compra de gêneros alimentícios por órgãos públicos.
Indicadores econômicos
Na última quinta-feira (4), o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços informou que, no mês de agosto, o primeiro com efeitos do tarifaço, as exportações brasileiras para os EUA caíram 18,5% na comparação com agosto de 2024.
Chamou a atenção que produtos não afetados pelo tarifaço, como minério de ferro e aviões, tiveram quedas, 100% e 84,9%, respectivamente.
Para técnicos da pasta, a explicação pode estar na antecipação de exportações em julho, ou seja, empresários utilizaram o período de incerteza para enviar produtos para os Estados Unidos.
Levando em conta todos os países, as exportações brasileiras cresceram 3,9%, e a balança comercial ficou com saldo positivo de US$ 6,1 bilhões em agosto. Exportações para outros parceiros comerciais, como China e Argentina, aumentaram nesse período.
Análises
A economista Lia Valls Pereira, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), aponta que os dados sobre exportação para os Estados Unidos revelam que essa queda “já é reflexo do tarifaço”.
Ela concorda com a tese de que exportadores anteciparam os embarques em julho, para escapar do tarifaço, causando uma queda em agosto. Para Lia Valls, as tarifas americanas atingem setores de formas diferentes. “Alguns têm mais chances de conseguir diversificação de mercado; para outros, certamente vai ser bem mais difícil. Há produtos em que o mercado americano explica mais de 50% das exportações, como o caso do sebo bovino”, cita.
A economista acredita que é importante governos e empresários continuarem negociando e ressalta a necessidade de buscar novos mercados e outros acordos comerciais, como a União Europeia.
Inflação
O economista Matheus Dias, do Ibre/FGV, acompanha o comportamento de preços no país. Na observação dele, o tarifaço “não teve um impacto significativo na nossa inflação”.
A explicação, segundo ele, é a lista de quase 700 produtos que ficaram de fora da tarifa máxima de 50%.
“Caso esses 700 produtos não tivessem sido isentados dessa medida tarifária, possivelmente a gente estaria vendo uma realocação mais forte dos fluxos comerciais, o que teria como consequência, direcionar para o mercado interno”.
Esse direcionamento causaria um excesso de oferta de produtos no Brasil, o que contribuiria para deixar preços mais baratos, baixando a inflação. “Mas não foi o que ocorreu por conta dessas isenções”, afirma.
Em outros casos, diz à Agência Brasil, há limitação bastante setorial, como cimento, madeira e metais. “Esses setores acabaram sendo bastante afetados, mas a gente não consegue enxergar um efeito na inflação ao consumidor”.