Mel, frutas e outros alimentos derivados da produção local foram alguns dos produtos apresentados pelos indígenas participantes do Empretec, na Aldeia Pirakuá, em Bela Vista, como fonte de geração de renda a partir da comercialização. Apesar de muitos já fazerem a venda, o grupo teve a oportunidade de pensar na estruturação do negócio e incluir novas alternativas que agreguem valor aos itens: como a utilização de embalagens feitas de forma manual com o uso de matéria-prima natural.
Para o desenvolvimento das ideias de negócio, os participantes foram acompanhados pelo Sebrae/MS entre os dias 18 e 23 de novembro. A realização do Empretec Indígena foi feita pela instituição em parceria com o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Cidadania (SEC), e contou com o apoio da Câmara Municipal e da Prefeitura de Bela Vista, via Sala do Empreendedor.
Por meio da metodologia, os 25 indígenas da etnia Guarani Kaiowá puderam desenvolver competências empreendedoras e consolidar novos negócios a partir das potencialidades locais que envolvem, principalmente, a agricultura familiar e a economia criativa. A conclusão desse trabalho foi celebrada no sábado (23) com a entrega de certificados aos participantes.
Segundo o gerente da Regional Oeste do Sebrae/MS, Matheus Oliveira, essa é a segunda comunidade indígena em Mato Grosso do Sul a receber o Empretec. A metodologia, desenvolvida pela Organização das Nações Unidas (ONU) é aplicada no Brasil há mais 30 anos, exclusivamente pelo Sebrae, e foi adaptada para a realidade dos povos originários com o intuito de promover a inclusão produtiva das comunidades e o desenvolvimento sustentável da região.
“Nosso intuito ao trazer esse curso aqui, é ajudar a comunidade a identificar alternativas de renda por meio do empreendedorismo e estimular o protagonismo de cada um, a partir dos talentos e potencialidades que eles sempre tiveram, para que possam transformar isso em uma fonte econômica viável. De acordo com o perfil do grupo, a metodologia também pode ajudar a estimular outros fatores, como a união da comunidade, estimulando o associativismo e promovendo o crescimento sustentável da comunidade”, expôs Matheus.
O subsecretário de Políticas Públicas para Povos Originários da SEC, Fernando Souza, expôs que a realização do Empretec, assim como de outras capacitações que visam o desenvolvimento do empreendedorismo junto aos povos indígenas, fazem parte de uma parceria entre o Governo do Estado e o Sebrae/MS para apoiar o desenvolvimento econômico e social das comunidades, já que o estado possui a terceira maior população indígena do país, com 116 mil pessoas, divididas em 10 etnias, de acordo com o último Censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022.
“Estamos trazendo o Sebrae para dentro dos territórios indígenas, em busca de valorizar cada comunidade, trabalhador e artista. Queremos intensificar todos os serviços e direitos que o nosso povo tem no sentido de valorizar, respeitar e promover a dignidade. Desejamos que quem fez o Empretec inspire a comunidade como um exemplo por sua vontade de crescer e buscar melhorias para o seu futuro”, desejou Fernando.
Inclusão produtiva
Localizada na zona rural, a 58 quilômetros do centro de Bela Vista, a Aldeia Pirakuá abriga cerca de 130 famílias. Com a produção de mel, frutas, legumes e hortaliças, a comunidade tem como uma das principais potencialidades a agricultura familiar e, por isso, essa foi uma das áreas trabalhadas para a geração de negócios.
O grupo de Edimar Araújo, por exemplo, pensou em criar uma frutaria, com frutas nativas da aldeia. Para ele, o desenvolvimento de ideias como essa é importante para trazer novas perspectivas à comunidade. “Acredito que depois desse curso nós, realmente, vamos sair da precariedade e termos mais qualidade de vida. A Aldeia Pirakuá é de difícil acesso e a vinda do curso para cá foi um pontapé para que possamos sair dessa situação. Queremos continuar nessa caminhada com mais parcerias que possam nos conduzir no rumo certo e nos desenvolvermos como cidadãos”, expôs Edimar.
Mais um ponto trabalhado pelo Empretec foi a criação de comércios para atender as demandas dos próprios moradores, devido à distância do local para a área urbana. A necessidade de uma mecânica automotiva, por exemplo, para a manutenção de carros e motos, além da venda produtos alimentícios, seja em mercearias ou restaurantes, foram algumas ideias consolidadas com o curso.
Raquel Escalante fez parte de um grupo que criou a “Peixaria dos Amigos”, com a proposta de vender peixe assado, empanado e ao molho, utilizando ingredientes locais e fogão à lenha. “O curso superou minhas expectativas, foram dias de muito aprendizado e tentativas. Aprendi muito, teve muito conhecimento teórico e prático e quero criar minha empresa e fazer as coisas acontecerem. Na nossa proposta peixe é local e o preparo segue a nossa tradição”, contou Raquel.
Além de estruturar os negócios, os participantes foram estimulados a pensar em formas de agregar valor aos produtos e serviços com o foco na sustentabilidade. O grupo liderado pelo cacique da Aldeia Pirakuá, Fabison Marques Ireno, por exemplo, inovou ao utilizar purungos (cabaças) como embalagens biodegradáveis para o mel, evitando o uso de embalagens de plástico ou vidro.
“Assim não prejudicamos a natureza e ainda agregamos valor ao produto ao apresentá-lo com uma peça de artesanato. Temos sementes para aumentar a produção de purungo e condições para ampliar a produção de mel. Então, enquanto liderança, quero chamar a atenção para o significado dessa qualificação. Este certificado não é só um papel para ficar na parede, é uma oportunidade de fazer a diferença dentro da aldeia. Parece que o Pirakuá foi esquecido e silenciado, e que temos poucos motivos para alegrar nossos jovens e deixar nossos anciãos orgulhosos, mas vamos buscar coisas boas para mostrar, manter nossa cultura e demonstrar para a comunidade o quanto é importante fazer um curso como este”, destacou o cacique.
Transformação
Mais do que trazer conhecimento técnico a respeito de como estruturar um negócio, ao trabalhar as competências empreendedoras, o Empretec trouxe autoconfiança e engajamento para a comunidade. A metodologia possibilitou a integração dos participantes e resgatou a perspectiva de um futuro melhor.
“Quem faz o curso deixa o pensamento anterior e leva um novo pensamento. Como quando trocamos a erva de tereré velha por uma nova e sentimos um novo sabor. A partir de agora vai ser uma nova luta. Como aluno, eu perguntei aos instrutores o que eu podia fazer para ampliar a produção que já tenho de vacas, cavalos, porcos, carneiros e galinhas, porque não estava conseguindo sair da mesma quantidade. Então, aprendi que para ter um resultado diferente, eu tenho que tomar outra atitude, usar uma estratégia nova para multiplicar”, destacou o representante regional da comunidade no Aty Guassu, grande assembleia política dos povos Kaiowá e Guarani, o ancião Jorge Gomes.
Segundo Gerson Lopes Machado, diretor da Escola Municipal Indígena Pirakuá, onde o Empretec foi realizado, a capacitação possibilitou que a comunidade pensasse na construção de um caminho que traga melhorias para todos. “Nós apoiamos a iniciativa pela grandeza do curso e do que ele pode proporcionar para a comunidade. Essa capacitação possibilitou uma visão mais ampla do nosso entorno e das oportunidades que temos para melhorar nossa qualidade de vida. Antes esbarrávamos nos obstáculos e não conseguíamos prosseguir, o que trazia resultados negativos para a comunidade. Agora, tenho certeza de que vamos vencer os desafios vierem pela frente”, concluiu.
De acordo com o analista-técnico do Sebrae/MS, Alex Schmidt, o pensamento coletivo de união esteve presente durante todo o Empretec e a participação das lideranças na capacitação foi algo de suma importância. “Tivemos toda a comunidade envolvida no processo e isso reforçou o espírito de mudança, no sentido, de que é possível construir um futuro melhor com o engajamento de todos. Isso evidenciou o empreendedorismo como um caminho possível, inclusive, para a valorização da cultura local”, expôs.