Quando um efetivo de mais de 200 profissionais do Ministério Público e da segurança pública saiu às ruas logo ao amanhecer do dia 5 de maio de 2023, a missão era cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão de uma operação ambiciosa, desencadeada para desarticular em Mato Grosso do Sul uma das maiores facções criminosas do País, surgida há quase meio século no Rio de Janeiro (RJ). Passado um ano e meio, os resultados são expressivos, com 61 condenados a penas que somam mais de 300 anos.
Entre os sentenciados, quatro são advogados, que se utilizavam das prerrogativas profissionais para fazer o trabalho de “pombo-correio” dos faccionados, função apelidada de “gravata” no mundo do crime.
A maior condenação obtida pelo trabalho do GAECO foi de um policial penal – 10 anos e 8 meses de prisão – por se valer do cargo público para auxiliar as ações criminosas, incluindo dar acesso a telefones móveis aos presos na Penitenciária Estadual Masculina de Regime Fechado da Gameleira I, em Campo Grande. A unidade prisional, até então, era conhecida por ser “anticelular”.
Essas punições determinadas pela Justiça em primeiro grau são consequências da operação Bloodworm, lastreada em investigações feitas durante 15 meses pelo GAECO. O trabalho revelou que a facção do Rio de Janeiro estava se estruturando e expandindo suas operações no estado, utilizando a Penitenciária Estadual Masculina de Regime Fechado da Gameleira II como base.
Mesmo com rígidas regras de segurança da unidade, a entrada de celulares para uso dos presos foi facilitada pela corrupção de policiais penais e advogados a serviço da máfia. Por meio dos aparelhos, as lideranças negativas se comunicavam, mesmo estando no cárcere. De dentro da cadeia, coordenavam crimes como roubos, tráfico de drogas e comércio de armas, revelaram as provas obtidas. Preparavam-se, ainda, para uma guerra com a maior facção do Brasil, nascida em São Paulo, na tentativa de dominar o crime em Mato Grosso do Sul, região estratégica para o mercado ilegal de drogas, armas e também corredor de fuga de bandidos.
Confira os números da Bloodworm:
9 ações penais julgadas
2 ações penais pendentes de julgamento
61 pessoas condenadas
302 anos, 4 meses e 7 dias de penas no total
Crimes
A maioria dos condenados foi enquadrada por integrar organização criminosa armada. Os outros crimes envolvem associação para o tráfico, tráfico de drogas, corrupção ativa e corrupção passiva, os dois últimos majorados pela infringência de dever funcional pelo servidor público corrompido.
“O GAECO conclui como sendo extremamente satisfatório o resultado do árduo trabalho desenvolvido para o fim de responsabilizar integrantes da perigosa organização criminosa Comando Vermelho, ainda que existam alguns recursos seus em andamento para aumentar ainda mais o grau dessa responsabilização penal”, comenta nota conjunta do Grupo Especial de Atuação e Repressão ao Crime Organizado.
Para o GAECO, “a ofensiva atingiu o grupo criminoso em um momento em que, pela primeira vez na história, tentava de fato se estruturar e se fortalecer em nosso Estado com o fito de rivalizar com a outra facção aqui atuante há mais tempo e também por muitas vezes igualmente combatida pelo Ministério Público e, em especial, pelo GAECO”.
“A relevância da atuação foi tamanha que culminou na punição de dezenas de integrantes perigosos, com vasto histórico criminal; líderes locais e regionais dessa organização ramificada em todo o país; além de advogados, que se utilizavam da importante função para praticar crimes e auxiliar o grupo criminoso a se desenvolver e, ainda, um policial penal, que, por dar guarida à atuação dos meliantes, com eles cooperando para o ingresso de celulares no presídio, foi devidamente excluído da função pública”, explica a nota conjunta.
Trabalho a muitas mãos
As provas para levar às condenações foram recolhidas na fase de campo da operação Bloodworm, quando foram cumpridos 92 mandados de prisão preventiva e 38 mandados de busca e apreensão em Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Goiás, Distrito Federal, São Paulo e Mato Grosso. Para levar as ações a termo, a operação teve o apoio de diversas forças de segurança e inteligência: a Coordenadoria de Segurança e Inteligência do Ministério Público do Rio de Janeiro, os GAECOs dos Ministérios Públicos do Rio de Janeiro, Mato Grosso e Goiás, o Batalhão de Choque da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul e a GISP (Gerência de Inteligência Penitenciária), órgão da Agência de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul.
Em razão da existência de advogados como investigados, as ações foram acompanhadas pelas Comissões de Defesa e Assistência das Prerrogativas dos Advogados das Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil no MS, MT e RJ.
Entenda o nome
A denominação da operação como “Bloodworm” faz referência a um verme conhecido por sua ferocidade, resistência e coloração vermelha, características que se assemelham às ações violentas e hostis praticadas pela organização criminosa.